ENTREVISTA//TANIA ZANELLA, presidente do IPA: Em busca do consenso
João Carlos Rodrigues e Tito Matos//Do AGROemDIA
Um dos nomes femininos mais influentes do agronegócio brasileiro, segundo a revista Forbes, a catarinense Tania Zanella é, desde o mês passado, a primeira mulher na presidência do Instituto Pensar Agropecuária (IPA), instituição que dá sustentação administrativa-científica à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
Formada em Direito e pós-graduada em Direito Processual Civil, Direito Civil, Direito Público e Direito e Gestão dos Serviços Sociais Autônomos, ela foi eleita em dezembro de 2024 para presidir o Instituto Pensar Agropecuária até 2027.
Além de presidente do IPA, Tania é superintendente do Sistema OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras). Antes, havia sido gerente-geral da OCB. Aliás, ela também foi a primeira mulher a ocupar esses dois cargos na OCB.
Em entrevista ao AGROemDIA, Tania falou sobre as prioridades de sua gestão no IPA e analisou o cenário do agronegócio, especialmente a relação entre o setor rural e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
AGROemDIA: O que a eleição da senhora para a presidência do IPA representa para o universo das mulheres?
Tania Zanella: É uma quebra de paradigma, é uma conquista importante. Entre as produtoras rurais, também temos várias mulheres que se superaram e que estão construindo uma história brilhante em suas propriedades rurais. Então, é o protagonismo feminino atingindo o seu ápice.
Eu tenho escutado muito: “Que bom que você está lá, você nos inspira, que bom que as mulheres estão assumindo este protagonismo”. Agora, quando você olha para a foto [da diretoria do IPA] só tem eu de mulher, mas é assim porque é um ambiente ainda muito masculino.
A minha filha até me disse ao ver uma foto: “Mãe, só tem você de mulher. Sim, sou a única mulher, respondi, mas eu sou a presidente.”
Então, eu me vejo com uma baita responsabilidade e sei o tamanho do setor que eu represento, mas também sei que por trás do setor existe este universo feminino que está olhando para mim com o desejo de que eu o represente à altura e que eu realmente mostre para dentro do agro a importância da presença feminina no setor. Por isso, eu veja a minha gestão à frente do IPA como uma missão que vou honrar e responder à altura.

AGROemDIA: Quais são as prioridades da sua gestão?
Tania Zanella: O IPA é uma entidade formada por 59 outras entidades. Temos no IPA vários universos: o do produtor rural, o das indústrias e os de outras cadeias produtivas. Então, o meu primeiro e grande desafio é tentar, minimamente, estabelecer o consenso naquilo que é uma necessidade do setor do agronegócio. Isso requer ouvir muito todas as demais entidades. E aí eu acho que o cooperativismo me deu esse know-how, porque ele tem sete ramos dentro de um universo de modelo de negócio. Então, você tem que assimilar a necessidade de todos e, às vezes, tem que conciliar os interesses de todos esses setores em um único interesse. Então, o que o cooperativismo me deu foi ter essa busca pela conciliação, pela harmonia, pelo alinhamento. Essa é uma experiência importante que coloco à disposição do IPA neste momento. É claro que o interesse sempre será o produtor rural, a atuação do IPA é dar a sustentação técnica para a FPA poder fazer o que faz de melhor, que é entregar o resultado para o produtor rural. Então, o meu primeiro e grande desafio é o de buscar o consenso.
AGROemDIA: Há outras prioridades?
Tania Zanella: Sim. Temos outras. A segunda é a profissionalização da gestão. Hoje o IPA chegou num patamar onde a gente não pode se dar ao luxo de pecar sob o aspecto de dar perenidade e sustentabilidade a esse instituto. Ele é importante, vai ser importante cada vez mais, mas para isso precisa estar sustentado em pilares sólidos. Então, a profissionalização do IPA é uma das minhas prioridades e uma das expectativas das entidades que compõem o IPA. Não dá para a gente correr o risco de não trazer a profissionalização para dentro do instituto. Temos que embasar bem o conteúdo técnico das nossas demandas, sejam das nossas entidades, dos parlamentares ou de governo, para que respaldem depois a atuação da FPA.
AGROemDIA: O IPA já está discutindo quais propostas que apresentará ao governo para o próximo Plano Safra?
Tania Zanella: Nós temos como definição quatro pilares que vão nortear o que a gente coloca como projetos especiais, que são macrotemas que vamos trabalhar em 2025. Um deles é mais geral, por meio do qual queremos apresentar aos parlamentares a posição do setor em temas como logística, reforma administrativa, ou seja, aqueles pontos que são estruturantes, mas não impactam necessariamente tão somente o agro.
Outro tema é a sustentabilidade, onde não podemos sair do foco da COP30 [Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, que ocorrerá de 10 a 21 de novembro, em Belém – PA] e muito menos da regulamentação do mercado de carbono, que precisa ocorrer.
O terceiro tema é o mercado internacional, porque cada vez mais o contexto da geopolítica vai impactar o setor. E, por fim, o Plano Safra. Não só ele, mas também o seguro rural e o financiamento de um modo geral, onde entram outras fontes de financiamentos. Entre elas, o Plano Safra em si, que é a política pública que existe, e o seguro rural, que precisa ser repensado sob o ponto de vista mais estrutural. E temos aí o projeto da senadora Tereza Cristina, que prevê rever toda a estrutura do seguro agrícola brasileiro. No que se refere especificamente ao Plano Safra, algumas entidades que compõem o IPA já fazem o seu trabalho de apresentar ao governo as suas propostas para o plano agrícola. Paralelamente, há alguns anos o IPA vem incentivado a FPA a também fazer esse trabalho de convencimento do governo federal do que é importante para o Plano Safra não só em termos de valor global, mas também de manutenção de linhas de financiamento, como aquela que é voltada para a armazenagem.
Mais do que isso: o IPA está trabalhando para entregar à FPA um material mais robusto, mais estruturante, que talvez nem seja para este governo. O IPA pretende levar à FPA uma proposta mais estruturante para o Plano Safra, talvez bianual, um plano safra que coincida com o ano fiscal, em vez de começar e fechar no meio do ano. Então, esse processo já está em andamento e a nossa ideia é ter propostas a curto prazo, para este plano, mas também pensar o plano safra a médio e longo prazos, porque é notório também – e não é deste governo – que o crédito subsidiado está cada vez mais escasso e a gente precisa enfrentar isso.
AGROemDIA: E quanto à COP30, qual a posição do IPA?
Tania Zanella: A gente sabe que o agro talvez venha a ser o grande vilão deste COP30. Agora, em primeiro lugar, a gente precisa saber qual vai ser o posicionamento do agro. A nossa ideia é dar um direcionamento em relação ao posicionamento que teremos na COP30. Nós vamos chamar cadeia produtiva para dar individualmente a sua contribuição ao material que levaremos à COP30. E, na sequência, a gente quer ter um rol de especialistas que ocupem espaços, façam o contraponto a tudo isso e municiem os parlamentares para um posicionamento mais político dentro da COP30.

AGROemDIA: Como está a interlocução do IPA com o governo Lula?
Tania Zanella: O IPA tem interesse em dialogar com o formador de política do governo federal, que são o Ministério da Agricultura e Pecuária, o Mapa, e o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, o MDA. Esses dois ministérios são os formuladores do Plano Safra. Agora, por tudo que aconteceu recentemente [refere-se à suspensão de linhas de financiamento do Plano Safra, retomadas pouco depois do anúncio de que seriam suspensas], os parlamentares deixaram claro, inclusive para a imprensa, que a interlocução da FPA para esse assunto será com o Ministério da Fazenda e com a Casa Civil. No entanto, no que depender de mim, eu vou sugerir que a gente abra uma discussão com o Ministério da Agricultura. Afinal, ele é o interlocutor direto para este assunto do Plano Safra.
AGROemDIA: Em recente entrevista ao site Metrópoles, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues disse que está faltando diálogo do governo com o agro. Concorda?
Tania Zanella: Há realmente um distanciamento, acentuado nos últimos dias. Acho que estamos beirando a um rompimento. Repito: muitos deputados já deixaram claro que não falam mais com o Ministério da Agricultura. Então como encontrar caminhos [para ter um diálogo efetivo]? A minha percepção é que se eu sou governo, eu preciso vestir a camisa do governo e ter a responsabilidade de chamar para dentro [setores da sociedade, como o agronegócio] e promover esse diálogo.
AGROemDIA: Como a senhora avalia a atuação da FPA, sob a presidência do deputado Pedro Lupion, frente ao governo Lula?
Tania Zanella: Acho que a FPA realiza um bom papel ao fazer a defesa contundente do agronegócio. O deputado Pedro Lupion, antes de ser de oposição ao governo, é um defensor do setor rural. Dou como exemplo a reforma tributária. O partido dele, o PP, foi contra a reforma tributária, independentemente de ser boa ou não. No entanto, o deputado Pedro Lupion deu apoio ao setor e foi, junto com os demais deputados da FPA, para a briga, conseguindo que todos os pontos defendidos pelo setor fossem incluídos na reforma tributária.
AGROemDIA: Como a senhora vê esses primeiros movimentos do governo de Donald Trump, que elevou as taxas para importação de alguns produtos para os Estados Unidos. Há algum temor de que o agro brasileiro possa vir a ser afetado por isso?
Tania Zanella: Um dos projetos que citei aqui para vocês é voltado ao mercado internacional. Por isso, a gente precisa todo o dia olhar para o tabuleiro do Trump, porque ele é um jogador nato. Eu não acho que o Trump, até pela experiência dele, não saiba o que quer, mas o fato é que a gente precisa ter um mínimo de clareza de dados e informações até para poder se antecipar em relação a alguma coisa e não se ser pego de surpresa. A gente tem que estar atento para ver o que pode ser um risco ou uma oportunidade para o setor.
AGROemDIA: O presidente Lula sempre deu muita atenção ao setor produtivo rural. Tanto que no seu primeiro governo buscou para ser ministro da Agricultura o Roberto Rodrigues, maior liderança de todos os tempos do agronegócio. A senhora acha que mudou a visão de Lula em relação ao setor agrícola?
Tania Zanella: No governo Lula 1, embora ele pudesse ter alguma simpatia pelo setor e acho que até tem, o presidente não tinha proximidade com o setor, como não tem até hoje. Então, ele tinha que buscar alguém que falasse com o setor, porque não tinha ninguém no partido, o PT, que pudesse fazer isso. Por isso, ele tinha que ter, independentemente da posição política, alguém como o Roberto Rodrigues à frente do Ministério da Agricultura. Naquele momento a aposta do Lula no Roberto deu super certo, apesar de ele ter deixado o ministério antes do fim do primeiro governo Lula. Com o Carlos Fávaro, o atual ministro da Agricultura, a escolha foi político-partidária. Além disso, hoje a gente vê um cenário mais tensionado. O fato de o setor ter apoiado, nas eleições de 2022, o ex-presidente Bolsonaro criou um pouco de resistência do setor ao presidente Lula. Então, não é só conversar com o setor, mas desmobilizar um setor contrário ao atual governo. A expectativa do setor era que o Fávaro pudesse fazer esse diálogo e minimizar os efeitos da polarização. Só que eu acho que o ministro se preocupa mais em fazer o meio de campo com o presidente Lula do que com o setor. Então, eu acho que ele se perdeu um pouco no seu papel, em vez de buscar mais aderência, conversa, negociação com o setor rural.

