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Britânicos desistem da segurança alimentar sem um murmúrio

Gil Reis*

Precisamos ter um mínimo de conhecimento da história recente da humanidade para poder entender o que está acontecendo no mundo. Em menos de dois séculos a população mundial saltou de 1 bilhão de habitantes para 8 bilhões, e o que causou este crescimento populacional? Para quem estuda a história a resposta é muito simples. Até o século XVIII, os alimentos eram produzidos nas proximidades das comunidades, mesmo assim o suficiente para alimentar ‘parcamente’ os habitantes. A produção era muito limitada, os produtores apenas plantavam e colhiam da mesma forma como sempre o fizeram ao longo dos últimos 10 mil anos. Quando havia qualquer praga nas lavouras, as comunidades eram praticamente dizimadas pela fome.

O que mudou? Os seres humanos aprenderam a utilizar os benefícios da atmosfera que, como acham os ignorantes que conseguiram sobreviver e hoje dominam as campanhas climáticas, não serve apenas para respirarmos. Paralelamente a este fato, o aproveitamento do petróleo ensejou a possibilidade de que as comunidades não mais dependessem das lavouras no seu entorno, cujos produtos eram transportados por carroças de tração animal. Veículos com mais capacidade de transporte movidos a derivados do petróleo e capazes de cobrir longas distâncias em pouco tempo impedindo a deterioração do que é produzido.

Com o aproveitamento da atmosfera e dos derivados do petróleo, os produtores passaram a produzir mais e melhor. Novas técnicas de plantio foram desenvolvidas, e as pragas, controladas – foram desenvolvidos os fertilizantes e os defensivos agrícolas. Isso permitiu o desatrelamento das lavouras das comunidades urbanas e os produtores puderam buscar novas terras, mais férteis, e as perdas passaram a ser menores. Os pobres passaram a ter mais acesso aos alimentos e a mortalidade pela fome reduziu bastante.

Vale a pena ler o artigo de Richard Eldred, que o site THE DAILY SCEPTIC publicou em 22 de agosto de 2023, sob o título “Pânico em massa por causa da energia, mas desistimos da nossa segurança alimentar sem um murmúrio”. Transcrevo para melhor entendimento do leitor:

“O fechamento da última fábrica britânica da Haber-Bosch, que produzia amônia vital para a criação de fertilizantes e explosivos, simboliza a crescente dependência do país de importações e a tendência mais ampla de desindustrialização, diz Ed Conway no Times.

Qual é a invenção mais importante da história humana moderna? É tentador votar no avião ou no automóvel, ou talvez no computador ou na internet, mas se você me perguntar, deve ser o processo Haber-Bosch. Essa reação química complexa, desenvolvida por Fritz Haber e Carl Bosch no início do século 20, não é universalmente famosa. No entanto, quase metade de nós não estaria vivo sem ele.

Haber e Bosch, um cientista e engenheiro alemão, foram a dupla que descobriu como capturar nitrogênio do ar e transformá-lo em amônia – da qual fazemos fertilizantes (e explosivos). Quase tudo o que você come contém nitrogênio produzido dessa maneira. Na verdade, fica mais selvagem do que isso, porque mais ou menos metade do nitrogênio dentro do seu corpo (e há bastante, pelo menos em cada filamento do seu DNA) é nitrogênio de uma planta Haber-Bosch.

A história do século passado, de uma população global crescendo para oito bilhões ou mais sem ficar sem comida, é a história de Haber-Bosch. Mesmo que doássemos cada acre de terra disponível neste planeta para a agricultura, não poderíamos cultivar alimentos suficientes para nos manter vivos sem os fertilizantes nitrogenados produzidos nas fábricas da Haber-Bosch. É difícil pensar em algo tão importante para nossa sobrevivência como espécie.

É por isso que a seguinte notícia deve nos fazer pensar: a Grã-Bretanha está fechando sua única fábrica remanescente da Haber-Bosch. Isso pode ser uma surpresa – não apareceu em uma única reportagem de jornal nacional – mas aqueles que trabalham no ramo veem isso como um divisor de águas. Pela primeira vez em um século, este país se tornará totalmente dependente de fertilizantes nitrogenados importados do exterior.

Isso, para ser justo, já faz muito tempo. A fábrica em questão – um local em Billingham, Teesside, de propriedade da empresa americana CF Fertilizers – está desativada há algum tempo. Você precisa de muito hidrogênio nesses reatores Haber-Bosch, e a principal maneira de obter hidrogênio é a partir do gás natural; embora os preços do gás tenham caído desde a invasão da Ucrânia, ainda assim estão mais altos do que há alguns anos. Como o fertilizante de nitrogênio é um produto de gás natural, a CF mudou a produção para a América, onde o gás é mais abundante e barato. …

Agora, em certo sentido, pode parecer que não importa se obtemos nossos fertilizantes de Billingham ou de fábricas no exterior. Além disso, como a fabricação de amônia envolve a queima de gás natural, o fechamento ajudará a Grã-Bretanha a reduzir sua pegada de carbono. Alguns apontam que nos tornamos muito dependentes da amônia sintética para fertilizar nossas plantações – e eles têm razão. E enquanto as unidades da Haber-Bosch serão fechadas, outras partes da planta de Billingham continuarão, já que ainda precisamos processar a amônia que chega da América. Apenas 40 empregos serão perdidos.

Mesmo assim, é um lembrete de que, numa época em que muitos países estão a investir mais na indústria transformadora e a pensar mais sobre a origem dos produtos, a Grã-Bretanha ainda está a desindustrializar-se, tornando-se mais dependente das importações do exterior, mais exposta se os recursos subitamente ficarem escassos”.

Diferentemente da Grã-Bretanha, felizmente, o nosso país está buscando meios para produzir fertilizantes e se livrar da escravização das importações que encarecem a nossa produção agrícola e, aparentemente apesar de alguns arroubos, está tentando aumentar a produção petrolífera. Ao que parece, apesar das enormes campanhas movidas pelas ONGs internacionais e os ambientivistas, as nossas autoridades e os produtores não se deixaram ‘emprenhar pelos ouvidos’.

Recentemente publiquei um artigo mostrando quais o benefícios do petróleo que a mera produção de eletricidade não trazem e que transcrevo um trecho:

“A eletricidade NÃO PODE: fazer componentes de turbinas eólicas e painéis solares, fazer pneus para bilhões de veículos, fazer asfalto para os milhões de quilômetros de estradas, fazer medicamentos e equipamentos médicos, fazer sistemas de filtragem de água, fazer sistemas de saneamento, fazer fertilizantes que vêm do gás natural para ajudar a alimentar bilhões e fazer pesticidas para controlar gafanhotos e outras pragas”.

“Os conhecimentos de uma era são encarados como verdades definitivas e perenes, ledo engano a história nos mostra que tais conhecimentos sempre são suplantados pelos de eras futuras na medida que a humanidade evolui.”

*Consultor em Agronegócio

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do AGROemDIA

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