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Diagnóstico precoce de prenhez com ultrassom Doppler em vacas aumenta produção

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Uso do Doppler economiza tempo acrescentando cerca de 20 dias de produção ao animal –  Divulgação/Embrapa

Estudos da Embrapa Gado de Leite (MG) demonstram que é possível reduzir o intervalo entre inseminações de uma vaca em cerca de 20 dias com a utilização do ultrassom Doppler para realizar diagnóstico precoce da prenhez.

A redução do intervalo de partos no rebanho representa ganho econômico tanto na produção de uma vaca de leite quanto na engorda de bezerros de corte. Um animal que produza 30 litros diários de leite, por exemplo, terá acrescentado à sua produção 600 litros no fim da lactação. Em um rebanho formado por 100 vacas que tenham reduzido o intervalo de partos nessa proporção, serão 60 mil litros de leite a mais produzidos na lactação.

As pesquisas, cujas técnicas já são aplicadas por médios e grandes produtores que adotam em seus rebanhos a Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF), tiveram início em 2010, na Embrapa Gado de Leite, por meio de projeto de pesquisa apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).

Doppler ao alcance do bolso

Por volta de 2013, época em que o método diagnóstico foi desenvolvido pela Embrapa Gado de Leite, o aparelho de ultrassom Doppler era muito caro, cerca de R$ 200 mil, limitando o seu uso às atividades de pesquisa. Com o tempo, a tecnologia se tornou mais barata e hoje é possível encontrar esse equipamento por cerca de R$ 35 mil, valor que tem viabilizado a sua adoção por um número crescente de médicos-veterinários.

Ganho de tempo

A eficácia da técnica na detecção precoce de vacas não gestantes foi comprovada em 2013, mas só recentemente os equipamentos de ultrassom Doppler alcançaram valor viável para seu emprego em larga escala nas fazendas.

Pecuaristas e técnicos da área começam a sentir os efeitos positivos. O veterinário João Abdon, que atua na região de Eunápolis, no sul da Bahia, diz que, sem o Doppler, para conseguir inseminar uma vaca três vezes e obter um índice de cerca de 90% prenhez, eram necessários 80 dias. Usando o Doppler, ele consegue realizar o mesmo trabalho e obter um índice semelhante com 48 dias.

“A grande vantagem dessa tecnologia é a redução do tempo”, relata Abdon, que adota esse tipo de ultrassom há três anos. E tempo representa dinheiro, tanto para o profissional que faz a inseminação quanto para o fazendeiro que tira leite ou engorda o gado.

Como funciona?

A equipe de Reprodução Animal iniciou os estudos sobre o desenvolvimento e a regressão de uma glândula endócrina, denominada corpo lúteo, que atua no processo reprodutivo dos mamíferos. Para visualizar essa glândula, que possui uma coloração amarela (luteum em latim significa amarelo), o pesquisador Luiz Gustavo Bruno Siqueira explica que foi utilizado o ultrassom Doppler.

Diferentemente do ultrassom convencional, que revela apenas uma imagem em tons de cinza correspondente ao tamanho e textura do objeto em análise, o Doppler traduz movimentos como o fluxo sanguíneo em cores, tornando as análises mais precisas.

O corpo lúteo é uma estrutura temporária em fêmeas de mamíferos, que surge em cada ciclo reprodutivo após o cio e ovulação e produz principalmente progesterona, hormônio essencial para o estabelecimento e continuidade da gestação. Na vaca, quando ocorre a monta natural ou inseminação artificial e o animal fica prenhe, a glândula continua produzindo progesterona por toda a gestação.

Por outro lado, se a vaca não fica prenhe, o corpo lúteo permanece produzindo hormônios no ovário por 16 a 18 dias. Depois se degenera, o que culmina com o animal retornando ao cio em ciclos de 21 dias.

Identificação rápida de vacas vazias

Durante as pesquisas, Siqueira percebeu que variações no fluxo sanguíneo eram detectadas pelo Doppler mesmo antes da degeneração do corpo lúteo. Ao fim de cada ciclo das vacas em estudo, algumas não apresentavam fluxo sanguíneo no corpo lúteo, apesar de a glândula ainda não ter se degenerado de forma visível.

“Diante desse fato, estabelecemos a hipótese de que poderíamos identificar os animais não gestantes baseados apenas na avaliação do fluxo sanguíneo presente no corpo lúteo”, conta Siqueira. Essa possibilidade era particularmente interessante em rebanhos que adotam a IATF, nos quais, geralmente, vários animais são inseminados em um mesmo dia.

Para comprovar a hipótese, a pesquisa foi expandida. Mais de 500 animais passaram pela técnica de IATF e tiveram os respectivos corpos lúteos analisados com o Doppler. Os pesquisadores da Embrapa puderam concluir com alto grau de certeza que, cerca de 20 dias após a IATF, todas as vacas sem fluxo sanguíneo na glândula eram não gestantes.

O pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF) João Henrique Viana, na época responsável pelo projeto, ressalta que há nas análises cerca de 20% de casos “falso positivo” (vacas com fluxo sanguíneo no corpo lúteo que depois também foram identificadas como não gestantes), mas isso não compromete o principal objetivo da técnica, que é identificar corretamente animais vazios, que podem ser mais rapidamente ressincronizados em um novo protocolo de IATF, garantindo maior eficiência reprodutiva.

“Conseguimos antecipar a identificação da vaca não gestante com ultrassom Doppler de ovário, examinando se há fluxo sanguíneo no corpo lúteo, antes mesmo de qualquer outro sinal de que a vaca está ou não prenha”, ressalta Siqueira. Os resultados dessa pesquisa resultaram em um artigo científico publicado em 2013 no Journal of Dairy Science, da Associação Americana de Ciência Leiteira (ADSA), uma das mais prestigiadas revistas científicas sobre gado leiteiro.

Paralelamente, novas pesquisas sobre o tema eram desenvolvidas em outras instituições. Siqueira informa que na Universidade de Virginia, Estados Unidos, foram realizados estudos com o uso do Doppler em vacas receptoras de embriões, mas não trouxeram conclusões sobre a relação do fluxo sanguíneo no corpo lúteo com a gestação.

Posteriormente, colaboradores do projeto da Universidade de Alfenas exploraram o uso do Doppler para a seleção de receptoras de embriões e pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) fizeram pesquisas semelhantes com gado de corte. Na Embrapa Gado de Leite, a técnica também começou a ser adotada na seleção de receptoras de embriões. Hoje, vários grupos de pesquisa buscam desenvolver estratégias de antecipação da IATF baseadas no uso do Doppler para identificação precoce de fêmeas vazias.

Atualmente, Embrapa e USP são grandes incentivadoras do diagnóstico precoce da gestação por meio do Doppler. A Embrapa Gado de Leite, assim como a USP e algumas empresas particulares de capacitação, realizam periodicamente treinamentos para que médicos-veterinários possam dominar a técnica. No que diz respeito à tecnologia de reprodução em bovinos, os pesquisadores acreditam que esse é um caminho que não tem mais volta.

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Pesquisas comeram em 2010 na Embrapa Gado de Corte – Rubens Neiva/Embrapa

Inseminação Artificial em Tempo Fixo impacta na eficiência reprodutiva

A IATF é uma alternativa de manejo reprodutivo que utiliza a sincronização dos cios e inseminação artificial. A técnica começou a ser usada nos Estados Unidos há cerca de 25 anos e chegou ao Brasil há 15 anos. Aqui, é mais adotada por médios e grandes produtores e, embora apenas cerca de 10% das vacas do rebanho nacional sejam inseminadas artificialmente, 80% dessas são feitas por IATF. Essa é uma tendência mundial tanto na pecuária de leite quanto na de corte. O objetivo da IATF é otimizar os trabalhos de inseminação artificial e melhorar a eficiência reprodutiva.

A otimização é obtida pela sincronização dos cios, conseguida com a administração estratégica de hormônios reprodutivos, permitindo a ovulação do folículo em um momento pré-determinado (leia no próximo quadro como é o protocolo). A partir daí, é feita a inseminação artificial de todas as vacas em um horário pré-estabelecido.

“É mais racional, em termos de ganho de tempo no manejo e otimização da mão de obra, inseminar um grupo maior de vacas em vez de um número pequeno em momentos diferentes”, explica Siqueira. Já a redução do intervalo de partos ocorre na IATF na medida em que se reduzem os frequentes problemas de detecção de cio.

A IATF pode ser uma alternativa para driblar a queda na taxa de concepção dos bovinos. “Devido ao aumento da produtividade das vacas, essa taxa, que já foi de 50% a 60% nos anos de 1970, tem caído gradativamente e chegou a índices de 20% a 40% atualmente, dependendo do tipo de rebanho”, diz Siqueira.

Com a prática de sincronização e ressincronização de cios, para as vacas que não ficam gestantes na primeira inseminação, a taxa de serviço pode chegar a 100%, ou seja, todas as fêmeas aptas à reprodução são inseminadas, o que não acontece quando é necessário fazer a detecção visual de cios.

O desempenho reprodutivo é o responsável direto pela produção de leite por dia útil da vaca, além do aumento do número de animais de reposição. Segundo Viana, a eficiência reprodutiva é um dos fatores que mais influenciam o sucesso econômico na produção de leite.

A IAFT na prática

A sincronização dos cios objetiva concentrar todo o trabalho de inseminação artificial em um único período, melhorando também a eficiência reprodutiva. Conhecida no passado como “estação de monta”, quando se utilizava a monta natural em vez da inseminação artificial. Essa técnica é ainda uma alternativa para concentrar os partos e a maior produtividade da vaca em um momento desejado: quando há mais pasto no período da safra ou, na entressafra, quando o preço do leite é mais vantajoso para o produtor.

O calendário convencional de sincronização de cios prevê um período de 40 dias. Dez dias antes da IATF programada, as vacas recebem uma aplicação de hormônio (estradiol ou GnRH) e um implante intravaginal de progesterona para garantir a sincronia do dia da ovulação. Isso visa induzir o crescimento sincronizado de folículos. O folículo é a estrutura ovariana que produz hormônios e contém o gameta feminino, chamado de oócito.

Após oito dias, são retirados os implantes de progesterona e aplicado o hormônio prostaglandina (PGF2α), que faz regredir algum corpo lúteo que esteja presente no ovário. No dia seguinte, aplica-se outro hormônio (estradiol ou GnRH), induzindo a ovulação sincronizada de todos os animais. Por fim, a inseminação artificial ocorre 24 horas depois, no chamado “dia 0”. No “dia 30” (30 dias após a IATF), as vacas passam pelo exame de ultrassom convencional de útero para identificar as gestantes. As vacas que não ficaram prenhas terão que passar novamente pelo protocolo de IATF.

O que a ressincronização propõe, fundamentada pelos estudos que a Embrapa realizou, é que o diagnóstico precoce de vacas vazias seja feito no “dia 20” com o ultrassom Doppler de ovário, observando se o corpo lúteo possui fluxo sanguíneo, em vez do ultrassom convencional de útero. Dessa forma, o processo é encurtado em 10 dias. Mas os pesquisadores da Embrapa já estão estudando a possibilidade de esse tempo se reduzir ainda mais, com a ressincronização começando no “dia 12” e o ultrassom de ovário ocorrendo no “dia 20”, com IATF no dia 22, encurtando o tempo em 18 dias, tornando o método ainda mais eficiente.

No artigo publicado no Journal of Dairy Science, a equipe da Embrapa Gado de Leite conseguiu identificar diferenças de fluxo sanguíneo no corpo lúteo de animais gestantes comparados aos não gestantes até mais cedo, 16 dias após a IATF. Contudo, esse tipo de experimento ainda precisa ser repetido e a sua precisão confirmada.

Da Embrapa Gado de Leite

 

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