Cooperativismo

2023, um ano para o produtor de leite esquecer

Foto: Rubens Neiva/Embrapa/Divulgação

A queda da rentabilidade do setor de produção de leite marcou o ano de 2023. Segundo o Centro de Inteligência do Leite da Embrapa (CILeite), pequenos produtores de diversos estados chegaram a receber menos de R$ 1,80 por litro de leite, o que, segundo o pesquisador da Embrapa Glauco Carvalho, é um valor insuficiente para remunerar a atividade.

“Os custos de produção tiveram alta acentuada nos últimos anos e, apesar de apresentar um comportamento melhor em 2022 e início de 2023, a rentabilidade da atividade piorou”, diz Carvalho.

De janeiro de 2020 (pré-pandemia) a outubro de 2023, enquanto o preço do leite subiu 38%, o custo de produção aumentou 50%. “Isso mostra que a situação do produtor hoje é pior que nos anos anteriores”, acrescenta Carvalho.

O que prejudicou ainda mais o setor em 2023 foi o fato de que na entressafra (período que vai de abril a agosto), quando as chuvas diminuem no centro-sul do país e reduzem a oferta de leite, os preços apresentaram queda. Entre abril e julho, o valor pago ao produtor recuou R$ 0,49.

“A entressafra costuma trazer algum alívio para o produtor, elevando a margem de lucro, mas no ano passado isso não ocorreu”, enfatiza o também pesquisador da Embrapa Samuel Oliveira. Segundo análise do CILeite, a queda sazonal da produção foi compensada pelas importações, que atingiram recordes históricos, resultando em maior oferta do produto no mercado e consequente redução no preço.

O baixo consumo de lácteos no mercado brasileiro nos primeiros meses do ano foi outro fator que contribuiu para a crise do setor em 2023. Dados da Scanntech apontam que o volume de vendas no varejo no primeiro semestre recuou em todos os derivados lácteos. No leite UHT essa queda foi de 4% e chegou a 7% no leite em pó, na comparação com o mesmo período do ano anterior. A diminuição do consumo fez o preço de leite e derivados apresentar uma deflação de 2,83% na primeira metade de 2023.

Importações

A Nota de Conjuntura Leite e Derivados, produzida mensalmente pelo CILeite, informa que, de janeiro a setembro de 2023, enquanto a produção cresceu 1,4% em relação ao mesmo período de 2022, a disponibilidade do produto no mercado subiu 5,3%, resultado do grande volume de importações, que chegaram a representar 10% do consumo doméstico. De janeiro a novembro, as importações brasileiras de lácteos ficaram próximas a 2 bilhões de litros de leite equivalente, média mensal de cerca de 180 milhões de litros.

A grande oferta fez com que os principais derivados lácteos no mercado atacadista registrassem queda de preço ao longo do ano. No leite UHT, por exemplo, as cotações caíram de cerca de R$ 5,00 por litro, no início de abril, para cerca de R$ 3,80 em novembro. O queijo muçarela seguiu a mesma tendência, recuando de R$ 33,00 o quilo para R$ 27,00. “As margens industriais estão ruins, com diversos laticínios amargando prejuízos nos principais produtos e é o mix de vendas que tem feito a diferença nos resultados das empresas”, afirma Carvalho.

A queda da rentabilidade do produtor fez com que o crescimento do volume de produção também retrocedesse ao longo do ano. No terceiro trimestre de 2023, esse crescimento foi de apenas 0,8% em relação a 2022. “Os dados do último trimestre ainda não foram divulgados, mas é provável que a produção siga fraca também no último trimestre e no início de 2024”, diz Oliveira. Essa realidade reforça a estagnação pela qual passa a oferta de leite no Brasil, que está em um patamar próximo dos 34 milhões de toneladas há cerca de uma década.

Os pesquisadores da Embrapa acreditam que a crise no preço do leite esteja chegando ao fim. Eles apontam alguns motivos para isso: a desaceleração da produção interna; a recuperação dos preços internacionais e o Decreto 11.732/2023, que entra em vigor em 2024, limitando a importação do produto. Outros fatores tendem a alavancar o consumo. Entre eles está o crescimento do produto interno bruto (PIB) brasileiro, que deve fechar o ano em 3%. A inflação controlada, a taxa de desemprego em queda, o aumento da massa salarial e os programas governamentais como o Bolsa Família e o Desenrola são outras condições que ajudam a criar uma expectativa de expansão do consumo, sugerindo um mercado mais equilibrado em 2024.

Foto: Carolina Jardine/Sindilat/Divulgação

Lições da crise

As análises do CILeite sugerem que devem ser tiradas algumas lições da crise. Uma delas é trabalhar para o aumento do consumo per capita, principalmente entre os idosos, que ganharam espaço na pirâmide etária do País. A cadeia produtiva do leite também precisa buscar mais eficiência e escala, reduzindo custos e tornando-se mais resiliente às crises. A pesquisadora da Embrapa Kennya Siqueira também acredita em soluções relativas à oferta de novos produtos por parte dos laticínios, promovendo uma diversificação. “Os estudos têm mostrado que o consumidor está migrando para produtos que entregam mais valor, como, por exemplo, apelo nutricional ou funcional; ou ainda de conveniência, praticidade, sustentabilidade etc.”, revela Siqueira.

Cenário Internacional

A geopolítica não contribuiu para um cenário internacional confortável para o setor lácteo. Duas guerras em curso (Rússia x Ucrânia e Israel x Palestina), inflação e juros altos influenciaram na queda generalizada dos preços globais. Na China, maior comprador de lácteos, verificou-se uma queda de 30% nas importações nos primeiros meses do ano passado. “Isso refletiu no índice médio dos preços no leilão da plataforma Global Dairy Trade (GDT)”, explica o pesquisador da Embrapa Lorildo Stock.

Em agosto, o índice médio de preço dos lácteos no leilão da plataforma teve um recuo de 7,4%, chegando a US$ 2.875/tonelada, o menor patamar desde junho de 2020. Para o leite UHT e o leite em pó integral, a queda foi de 4% e 7%, respectivamente, comparado ao mesmo semestre de 2022. Em setembro, os preços do leite em pó integral e desnatado seguiram baixos nos patamares de US$ 2.700 e US$ 2.286 a tonelada, respectivamente.

Stock diz que a piora na rentabilidade das fazendas ao redor do mundo reprimiu a oferta dos grandes exportadores de lácteos. No entanto, o pesquisador salienta que, no mercado global, o cenário parece estar em processo de reversão, ainda que lento. Em novembro o preço médio do leilão GDT já apresentava alguma recuperação e o leite em pó integral exibia alta de 1,9%.

A desvalorização internacional do preço do leite foi decisiva no aumento do volume de importações brasileiras. Argentina e Uruguai, fornecedores de lácteos do Mercosul, seguiram ao longo do ano passado com preços mais baixos que o Brasil (30% e 27%, respectivamente). O que torna seus preços mais competitivos são os custos de produção, cerca de 20% menores que no Brasil. No entanto, a Argentina também vive uma crise cambial, contribuindo para desvalorizar ainda mais o preço no mercado externo.

Mas em meio ao quadro de incertezas do cenário global, Stock informa que o mercado mundial de lácteos começa a esboçar uma reação, revertendo a tendência de queda de preços. Em outubro, a manteiga e o leite em pó integral e desnatado apresentaram alta no leilão da GDT, embora abaixo dos preços históricos praticados no período anterior à pandemia de covid-19. Já os queijos estavam com preços elevados e com viés de baixa.

Quanto às importações brasileiras, desde outubro, evidenciou-se uma queda. Medidas fiscalizatórias quanto aos produtos importados e redução de renúncia fiscal para laticínios que importem produtos lácteos, implementadas pelo governo federal, anunciam um novo cenário para 2024.

Da Embrapa Gado de Leite

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