Sempre aos domingos: A Triste partida – Patativa do Assaré – Luiz Gonzaga
Com o agravamento da crise socioeconômica em consequência da pandemia do coronavírus, muitos migrantes nordestinos começaram um movimento de retorno aos seus municípios de origem, informou a revista Época semanas atrás. O desemprego, a alta do custo de vida e a falta de perspectivas estão fazendo com que prefiram enfrentar as dificuldades próximas de suas famílias a sofrer na periferia das grandes e médias cidades do Sudeste e do Sul, como cantou o poeta cearense Patativa do Assaré, um dos maiores nomes da literatura brasileira, em “A Triste Partida”: “Se o nosso destino/Não for tão mesquinho/Aí pro mesmo cantinho/Nós torna a voltar…”
Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, era pura poesia da gente da roça, sempre de olho nos infortúnios provocados pela pobreza secular no Nordeste. Nos anos de 1960, o homem que gostava de ser reconhecido como poeta que defendia o caboclo roceiro viu “A Triste partida” ser cantada país afora pelo pernambucano Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. O poema fala de uma família de retirantes que, sofrendo com a seca, parte para São Paulo em busca de dias melhores.
Sobre a gravação, Patativa declarou: “A letra e a melodia de “A triste partida” são minhas, mas nada se compara à gravação do rei do baião. A toada ficou muito mais penosa quando ele colocou aqueles refrães: “ai, ai, ai”, acompanhada daqueles: “Meu Deus, meu Deus”. Aquilo é muito belo, é muito mais penoso.”
“O nome Patativa surgiu devido à semelhança entre seu canto e o do pássaro Patativa, ave nordestina que tem um canto suave e singular, quando o jovem poeta tinha apenas 20 anos”, esclarece Paula Perin dos Santos, em reportagem publicada pelo site InfoEscola. “Com o nome artístico, passou a viajar pela região, cantando seus repentes e se apresentando em rádios.”
Patativa do Assaré morreu aos 93 anos, em 8 de julho de 2002. “Sua memória continua viva no Memorial Patativa do Assaré, na sua cidade natal, Assaré, sul do Ceará”, diz o InfoEscola.
Clique aqui para conhecer a biografia de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.
A Triste Partida
Patativa do Assaré – Luiz Gonzaga
Meu Deus, meu Deus
Setembro passou
Outubro e Novembro
Já tamo em Dezembro
Meu Deus, que é de nós,
Meu Deus, meu Deus
Assim fala o pobre
Do seco Nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz
Ai, ai, ai, ai
A treze do mês
Ele fez experiênça
Perdeu sua crença
Nas pedras de sal,
Meu Deus, meu Deus
Mas noutra esperança
Com gosto se agarra
Pensando na barra
Do alegre Natal
Ai, ai, ai, ai
Rompeu-se o Natal
Porém barra não veio
O sol bem vermeio
Nasceu muito além
Meu Deus, meu Deus
Na copa da mata
Buzina a cigarra
Ninguém vê a barra
Pois barra não tem
Ai, ai, ai, ai
Sem chuva na terra
Descamba Janeiro,
Depois fevereiro
E o mesmo verão
Meu Deus, meu Deus
Entonce o nortista
Pensando consigo
Diz: “isso é castigo
não chove mais não”
Ai, ai, ai, ai
Apela pra Março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Sinhô São José
Meu Deus, meu Deus
Mas nada de chuva
Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé
Ai, ai, ai, ai
Agora pensando
Ele segue outra tria
Chamando a famia
Começa a dizer
Meu Deus, meu Deus
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nóis vamo a São Paulo
Viver ou morrer
Ai, ai, ai, ai
Nóis vamo a São Paulo
Que a coisa tá feia
Por terras alheia
Nós vamos vagar
Meu Deus, meu Deus
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Ai pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar
Ai, ai, ai, ai
E vende seu burro
Jumento e o cavalo
Inté mesmo o galo
Venderam também
Meu Deus, meu Deus
Pois logo aparece
Feliz fazendeiro
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem
Ai, ai, ai, ai
Em um caminhão
Ele joga a famia
Chegou o triste dia
Já vai viajar
Meu Deus, meu Deus
A seca terrívi
Que tudo devora
Ai,lhe bota pra fora
Da terra natal
Ai, ai, ai, ai
O carro já corre
No topo da serra
Oiando pra terra
Seu berço, seu lar
Meu Deus, meu Deus
Aquele nortista
Partido de pena
De longe acena
Adeus meu lugar
Ai, ai, ai, ai
No dia seguinte
Já tudo enfadado
E o carro embalado
Veloz a correr
Meu Deus, meu Deus
Tão triste, coitado
Falando saudoso
Com seu filho choroso
Iscrama a dizer
Ai, ai, ai, ai
De pena e saudade
Papai sei que morro
Meu pobre cachorro
Quem dá de comer?
Meu Deus, meu Deus
Já outro pergunta
Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato
Mimi vai morrer
Ai, ai, ai, ai
E a linda pequena
Tremendo de medo
“Mamãe, meus brinquedo
Meu pé de fulô?”
Meu Deus, meu Deus
Meu pé de roseira
Coitado, ele seca
E minha boneca
Também lá ficou
Ai, ai, ai, ai
E assim vão deixando
Com choro e gemido
Do berço querido
Céu lindo e azul
Meu Deus, meu Deus
O pai, pesaroso
Nos fio pensando
E o carro rodando
Na estrada do Sul
Ai, ai, ai, ai
Chegaram em São Paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Percura um patrão
Meu Deus, meu Deus
Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
Ai, ai, ai, ai
Trabaia dois ano,
Três ano e mais ano
E sempre nos prano
De um dia vortar
Meu Deus, meu Deus
Mas nunca ele pode
Só vive devendo
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar
Ai, ai, ai, ai
Se arguma notíça
Das banda do norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir
Meu Deus, meu Deus
Lhe bate no peito
Saudade de móio
E as água nos óio
Começa a cair
Ai, ai, ai, ai
Do mundo afastado
Ali vive preso
Sofrendo desprezo
Devendo ao patrão
Meu Deus, meu Deus
O tempo rolando
Vai dia e vem dia
E aquela famia
Não vorta mais não
Ai, ai, ai, ai
Distante da terra
Tão seca mas boa
Exposto à garoa
A lama e o paú
Meu Deus, meu Deus
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No Norte e no Sul
Ai, ai, ai, ai