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Uma cortina de fumaça para impedir o avanço do agro brasileiro

Néri Perin

Ministros da Agricultura da União Europeia (UE) vieram a público manifestar o interesse em ampliar a lista de commodities a serem proibidas de entrar no mercado europeu. A razão oficial é a suposta vinculação desses produtos com o desmatamento e a degradação das florestas. A reação nada mais é do que uma cortina de fumaça para impedir o avanço do agro brasileiro. Na realidade, trata-se de barreiras comerciais mal disfarçadas de preocupação com o meio ambiente.

Os rurícolas Europeus sempre foram protegidos por normas rígidas da Política Agrícola Comum. E, em janeiro de 2023, deverão entrar em vigor novas normas protetivas. E, como era de se esperar, os primeiros dois objetivos almejados (entre os nove elencados) são o de garantir um rendimento justo aos agricultores e aumentar a competitividade (sic).

O fato é que a Comunidade Europeia e os Estados Unidos são exemplares no trato com seus agricultores, trabalhadores que dispõem de total garantia de renda em toda atividade que empregam. Nesses países, há um entendimento claro de que a agropecuária se caracteriza por estrutural lentidão na recuperação do capital de giro. Se considerarmos a atividade já em pleno desenvolvimento, veremos que a produção agrícola, nas circunstâncias mais favoráveis, demanda não menos que nove meses para o retorno do capital investido, enquanto a indústria, por exemplo, recupera esse capital três ou quatro vezes neste ciclo.

Enquanto o industrial pode avaliar e prever a quantidade de bens que fabricará, o rurícola, em razão da estrita dependência dos fatores climáticos, não pode eficientemente prever o volume dos bens que produzirá e o preço que alcançarão. Assim, o papel do Estado ganha destaque na oferta de recursos necessários e fundamentais ao pleno desenvolvimento e à manutenção do equilíbrio entre demanda e oferta no setor de alimentos, bem como na efetivação de políticas de preços que assegurem renda na atividade. O procedimento estatal deverá necessariamente se pautar pelo protecionismo e subsídios, contemplando desde a adoção de preços mínimos, oferta de crédito bastante, suficiente e oportuno, até a instalação de barreiras alfandegárias.

No Brasil, apesar da existência de vasta legislação que prevê e garante realização da renda para quem atua na atividade rurícola, na prática, não há adoção de medidas que atendam ao comando legal. A cada nova quebra de safra, como a que estamos vivenciando em razão da estiagem no Sul, mais se agrava o quadro no campo. Não seria exagero afirmar que os rurícolas brasileiros estão à própria sorte.

Vamos voltar ao caso europeu. A Política Agrícola Comum (PAC) para o setor agrícola no Velho Continente precipitou na intervenção dos mercados de produtos agrícolas organizada sobre três preços. No caso dos cereais, o pivô do sistema foi o preço indicativo, fixado a um nível tal que, em princípio, remunera adequadamente todos os produtores. Esse preço serviu de base para o estabelecimento dos outros dois.

O primeiro preço indicativo foi fixado tomando em conta a situação de Duisburg (Alemanha), identificada, à época, como a mais deficitária e de custos elevados. O preço indicativo foi, portanto, estabelecido a um nível tal que mesmo os agricultores menos produtivos e de mais altos custos teriam a sua produção convenientemente remunerada. A partir do preço indicativo foi estabelecido o preço de entrada, igual ao preço indicativo menos custos de comercialização e de transporte referentes ao translado entre o porto de entrada e Duisburg.

Se o preço do cereal importado fosse inferior ao preço de entrada, a diferença é coberta por uma tarifa cujo valor varia, acompanhando as oscilações da cotação internacional. A tarifa variável acoplada ao preço de entrada faz com que o cereal importado não possa ser ofertado no mercado de Duisburg a um preço inferior ao preço indicativo. Do preço indicativo deduz-se, também, o preço de intervenção. A fixação do preço de intervenção se baseou na região de Ormes (França), maior produtora de cereais da Europa e de mais baixos custos de produção.

O setor primário brasileiro, na contramão da história, não conta com uma política efetiva de subsídios que garanta a obtenção de renda na atividade”

Nesse mercado regional formam-se os preços que sinalizam os níveis daqueles praticados em toda comunidade. O preço de intervenção foi fixado deduzindo-se do preço indicativo os custos de transportes e o gasto de comercialização entre Ormes e Duisburg. Os preços de intervenção, assim como os preços de entrada, são regionalizados. Se numa dada região o preço de mercado cair abaixo do preço de intervenção, as agências governamentais de intervenção passam a comprar o produto. O preço de intervenção é, portanto, um piso abaixo do qual, em princípio, o preço jamais cai.

Dessa forma, a Política Agrícola Comunitária (PAC) criou mecanismos administrativos de garantia de rendimento aos rurícolas, assegurando um padrão de vida compatível ao das camadas urbanas da população, chegando, em alguns casos, a assegurar preços três ou quatro vezes superiores aos praticados no comércio internacional.

Assim, os preços de mercado flutuavam entre o preço de intervenção e o preço indicativo. Se a oferta interna fosse insuficiente, as importações impediam que o preço do mercado superasse o preço indicativo, evitando elevação dos preços aos consumidores, sem penalizar os produtores. Se, ao contrário, uma grande oferta interna pressionasse os preços de mercado para baixo, as compras governamentais asseguravam um piso e renda aos produtores.

De forma assemelhada, os Estados Unidos praticaram Política de Preços Mínimos assentada sobre dois preços: o preço de empréstimos (loan rate) e o preço-meta (target price). O loan rate, também usado para cálculo do valor dos empréstimos à comercialização, funcionava como um parâmetro de preço mínimo. Seu critério de adoção foi calculado num porcentual sempre inferior a 100% da média dos preços de mercado, tomados num determinado número de anos. O preço mínimo, dessa forma, é calculado para abarcar somente quedas que realmente atinjam patamares abaixo da média de preços praticados nos últimos anos.

O target price, por sua vez, foi baseado nos custos de produção e visa estabelecer um patamar ideal para garantir uma renda líquida mínima aos agricultores. Dessa forma, caso o preço de mercado fique abaixo do target price ou do loan rate (o mais elevado prevalece), os agricultores fariam jus a uma indenização governamental – deficency payment –, com a finalidade de compensar tal diferença.

O setor primário brasileiro, na contramão da história, não conta com uma política efetiva de subsídios que garanta a obtenção de renda na atividade. Como sabemos, são necessários pesados investimentos que demandam quase um ano para obtenção do retorno, sem qualquer garantia de resultado superavitário. Não raras vezes são contabilizados prejuízos que vão sendo “estocados” até inviabilizar a própria atividade, e não foram poucos os produtores que ficaram à margem do processo produtivo.

Por conseguinte, é imperioso o comparativo do setor primário brasileiro com os países desenvolvidos (nossos concorrentes) para compreender o que fizeram e fazem, objetivando renda a seus rurícolas e tornar eficaz a segurança alimentar interna. Europa e Estados Unidos não têm problemas de êxodo rural, contando com efetiva distribuição de riquezas, não por patética esmola governamental, mas pela correta aplicação de subsídios ao setor primário, garantindo bem-estar da população com oferta adequada de alimentos, a um custo sempre compatível.

Voltemos rapidamente ao protecionismo disfarçado de bom-mocismo europeu. Quando a Europa se posiciona para defender florestas ou produção “verde”, devemos ler com redobrada atenção, pois eles estarão objetivando proteger algum interesse próprio, tão somente. Mas não será fácil aplicar tais restrições. Nosso agro pede passagem onde quer que chegue. Acima de tudo, porque não há em todo o planeta um país que mais preserva sua biodiversidade e meio ambiente como o Brasil. Basta que cuidemos dos nossos valorosos rurícolas.

*Advogado/Especialista em Direito Agrário

 

AGROemDIA

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2 thoughts on “Uma cortina de fumaça para impedir o avanço do agro brasileiro

  • Obede Alves Moreira

    Meus parabéns ao agro negocio brasileiro sem ter tido apoio de governos anteriores. creceu com toda dificuldade amdureceu e sê tornou tão competitiva que não ha quem possa nos segurar talves pelo proprio abandono de antes fosse na realidade o motivo dessa reaçao é como um filho que pede ao pai tudo e o pai não da então o filho vai reagir e buscar trabalhar se esforçar para obterr tudo que deseja
    mas ao contrario o filho pede tudo ao pai e o pai da em geral e por experiencia propria esse filho não vai nunca conseguir. nada com seu proprio esforço em geral se tornam inultil

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  • Cesar Augusto Sandri

    O Título do Artigo tá ótimo, só que no desenvolvimento ele não fala que a Cortina de Fumaça quem tá fazendo são os que desmatam a Amazônia e com isso pioram o clima .já não deu pra perceber que as enormes perdas de soja e milho , já por várias safras é consequência dessa destruição?

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