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Na era digital, PIB não serve mais como indicador

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Thomas Straubhaar*

Infelizmente não é piada, mas a assustadora realidade: embora seja longa e lendária a lista de defeitos na apuração, cálculo e estimativa do Produto Interno Bruto (PIB), esse índice segue sendo o único critério sério para avaliação de atividades macroeconômicas.

Como se o cálculo estivesse acima de qualquer suspeita, todas as instâncias confiáveis e de renome da ciência e da economia publicam regularmente seus próprios prognósticos trimestrais ou anuais sobre como o PIB deverá se comportar no curto ou médio prazo. E, da mesma forma, aqueles que ditam o tom na mídia e opinião pública acolhem com seriedade os dados dos sábios e especialistas.

Mais do que nunca, a fixação no PIB e suas variações é um equívoco. Não se trata aqui da velha crítica “de esquerda”, de que ele só expressa a prosperidade total, e não sua distribuição, não podendo ser, assim, o indicador do bem-estar numa sociedade.

A nova crítica é muito mais fundamental, desencadeada pelo fato de que a medição do PIB perdeu relação com a realidade. Há tempos que o PIB só tinha uma capacidade limitada de medir a mudança estrutural de uma indústria “palpável” para uma sociedade “invisível” da prestação de serviços e do conhecimento. Na era digital, então, é que o PIB não serve mais mesmo como termômetro do clima econômico.

Novas tecnologias transferem uma parcela cada vez maior da agregação de valor a setores virtuais, que estão além da palpabilidade física dos bens e mercadorias. E para muitas inovações da digitalização, libertadas das limitações do espaço e do material, simplesmente (ainda) não se dispõe dados estatísticos macroeconômicos.

Bens informáticos transacionados em rede são, no melhor dos casos, apurados apenas parcialmente. Apps ou plataformas como Uber, Car to Go ou Airbnb possibilitam uma sharing economy e, desse modo, uma utilização muito mais eficiente de bens, automóveis ou imóveis, mas o PIB ilustra, no máximo, aproximações rudimentares desses efeitos.

Um volume respeitável de bens de consumo é disponibilizado quase de graça na internet, não sendo, portanto registrado no PIB. Porém, eles substituem a compra de produtos alternativos reais, que são medidos no PIB. Quando a Wikipédia possibilita o acesso a um léxico online; ou o Youtube oferece a reprodução de vídeos e filmes; ou nerds colocam à disposição do público jogos, softwares, vídeos de música ou fotos de fabricação própria, os usuários recebem algo sem terem que pagar um valor considerável.

No entanto, embora isso faça crescer a satisfação ou o bem-estar dos cidadãos, o PIB cai, pois se vendem menos enciclopédias ou DVDs. O mesmo ocorre quando veículos jornalísticos impressos comerciais são substituídos por sites de notícias grátis. Os usuários obtêm acesso a informações de forma mais barata, rápida e simples, mas o PIB cai, pois os meios tradicionais, como jornais e revistas, sofrem perda de faturamento, o que acarreta demissões e menor valor agregado.

A geração de valor na internet, o comércio virtual com dados digitais, assim como os efeitos de uma sharing economy – na qual justamente bens duráveis “caros”, como imóveis, automóveis ou aparelhos elétricos, são utilizados coletivamente, em vez de adquiridos individualmente – escapam, em grande parte, à avaliação objetiva, localização espacial e delimitação temporal. Por isso a relevância do PIB e de seus métodos de medição é menor do que nunca.

Reconhecer isso não é apenas uma tarefa indispensável para a ciência, que precisa buscar métodos novos e melhores de medição. É também preciso deixar claro para a opinião pública e a mídia a inutilidade de se ocupar com flutuações marginais do PIB, depois da vírgula decimal, ou mesmo de alastrar apreensões ou euforia, se problemas básicos colocam em questão o conceito como um todo.

No tocante a prognósticos sobre o PIB, faz-se mais necessário do que nunca cuidado diante de um falso fetichismo numérico. As previsões, aparentemente calculadas com tanta precisão, carecem de fundamentação confiável na realidade da era digital – e por isso, a rigor, nem mesmo possuem autoridade para servir de bússola orientadora para a política e a economia.

*Professor de relações econômicas internacionais da Universidade de Hamburgo e ex-diretor do Instituto de Economia Mundial de Hamburgo (HWWI)

*Publicado originalmente no site da DW, agência pública de notícias da Alemanha

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